Laudos de bebidas com suspeita de metanol em SP deixam de sair em 1 dia e não têm prazo, diz Polícia Científica
02/10/2025
(Foto: Reprodução) 'Não dá para saber quanto tempo vai levar', diz diretor da Polícia Científica de SP sobre laudos de bebidas suspeitas de metanol
O diretor do Núcleo de Química do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, Mauro Renault, afirmou nesta quinta-feira (2) que os laudos das análises de bebidas suspeitas de contaminação por metanol não têm prazo definido para conclusão.
Segundo ele, o laudo técnico de substâncias analisadas no laboratório da polícia costuma ficar pronto em um dia, mas o crescimento dos casos suspeitos de contaminação por metanol em São Paulo aumentou a demanda de análises.
“Em situação normal, o laudo vem um dia depois da chegada do material no laboratório. Neste momento, porém, não dá para saber quanto tempo vai levar por conta da demanda”, afirmou Renault.
Até a noite de quarta-feira (1º), seis bares e distribuidoras foram interditados e 942 garrafas apreendidas durante operações integradas de fiscalização nesta semana envolvendo os casos de intoxicação por metanol.
Somente o laudo final confirma se há presença de metanol na bebida, diz Mauro Renault
Reprodução/Globonews
O processo de análise inclui a checagem inicial das embalagens para verificar se houve rompimento ou indícios de reaproveitamento. Depois, o material vai para o processamento em equipamentos que separam os componentes da bebida alcoólica.
Somente o laudo final confirma se há presença de metanol na bebida e em qual quantidade a substância se apresenta.
🔍 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
Como funciona a análise
O processo até a emissão do laudo envolve diferentes etapas:
Documentoscopia: as garrafas passam por uma análise inicial no setor de Documentoscopia, que verifica a autenticidade do produto. Nessa etapa, peritos conferem selo, rótulo, lacre e vedação — tudo o que pode indicar adulteração ou falsificação do padrão. Essa verificação é feita tanto a olho nu quanto com o auxílio de equipamentos, como lentes especiais;
Núcleo de Química: em seguida, o material segue para o Núcleo de Química. Ali, as embalagens passam por uma nova verificação e o líquido é colocado em frascos e inserido em centrífugas. Os dados extraídos são processados em programas que identificam todas as substâncias presentes, suas concentrações e se estão dentro dos limites permitidos.
Só após esse procedimento completo é emitido o laudo final, que é então encaminhado para a Polícia Civil, responsável pela investigação.
“Precisa verificar se tem o metanol e a quantidade, ou seja, verificar se a composição está no limite do metanol. Pode ser que a amostra não tenha metanol. O resultado só sai no laudo”, explicou Renault.
Notificações
O número de notificações suspeitas de intoxicação por metanol subiu de 45 para 52 no estado de São Paulo, segundo balanço da Secretaria estadual da Saúde divulgado na manhã desta quinta-feira (3). As notificações incluem casos e mortes.
Até agora, uma morte foi confirmada de ter sido após consumo de bebida adulterada e outras cinco estão sob investigação — esse número continua o mesmo. O que aumentou foi o número de casos sendo investigados. Confira abaixo:
Casos:
10 casos confirmados de intoxicação por metanol (há laudo atestando presença de metanol e confirmação de circunstâncias que indicam que a pessoa ingeriu bebida adulterada);
36 casos estão sob investigação (há indícios clínicos, mas aguardam laudo para confirmar presença de metanol e investigações para entender circunstâncias de eventual ingestão da substância).
Mortes:
1 morte confirmada por intoxicação por metanol após consumo de bebida adulterada (com laudo e confirmação de ingestão de bebida adulterada) — um homem de 54 anos residente na capital paulista;
5 mortes sob investigação (sem laudo e sob investigação das circunstâncias) — três na cidade de São Paulo (homens de 45, 50 e 70 anos) e duas em São Bernardo do Campo (dois homens de 49 e 58 anos).
As autoridades não divulgaram oficialmente a identidade das vítimas, mas a TV Globo e o g1 conseguiram localizar alguns dos pacientes. A seguir, conheça as histórias de pessoas que tiveram a vida profundamente afetada após o consumo de bebidas adulteradas.
Radharani Domingos, Bruna Araújo de Souza e Rafael Anjos Martins são vítimas de intoxicação por metanol.
Montagem/g1/Reprodução
Adega na Zona Sul
No dia 30 de agosto, Rafael Anjos Martins, de 28 anos, comprou duas garrafas de gin, além de gelo de coco e energético, em uma adega localizada na região da Cidade Dutra, na Zona Sul da capital.
Em seguida, ele se reuniu com quatro amigos em casa para confraternizar. Nenhum deles desconfiou da adulteração.
Rafael Anjos Martins, de 28 anos, está em coma desde 1º de setembro após consumir gin em SP
Arquivo Pessoal
Poucas horas depois do consumo, Rafael começou a passar mal e foi levado às pressas para o hospital. Os médicos realizaram procedimentos para remover a toxina do sangue, mas o metanol já havia atingido o cérebro e o nervo óptico.
Desde então, o jovem está em coma, internado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de Osasco, respirando com ajuda de aparelhos.
Os amigos, que ingeriram a bebida adulterada em menor quantidade, também sofreram consequências. Nathalia Carozzi Gama contou à TV Globo que a visão foi afetada.
"As coisas estavam com muito contraste e muita falta de ar, com mal-estar, um peso no corpo. Eu fui para o hospital, fizeram o exame e viram que estava com metanol”, relatou.
Bar nos Jardins
Radharani Domingos fala em entrevista ao Fantástico após intoxicação por metanol
Reprodução
A designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, perdeu a visão após consumir três caipirinhas feitas com vodca em no bar Ministrão na Alameda Lorena, bairro nobre de São Paulo. O local foi interditado.
Ela chegou a ser internada na UTI, onde sofreu convulsões e precisou ser intubada, mas recebeu alta para o quarto nesta segunda (29).
“Era uma região nobre, não era nenhum boteco de esquina. Causou um estrago bem grande. Não estou enxergando nada”, disse Radharani ao Fantásrico. No local, a polícia apreendeu cerca de 100 garrafas de bebidas destiladas suspeitas de adulteração.
Segundo a irmã dela, Lalita Domingos, ainda não há previsão de alta. "O oftalmologista entrou com tratamentos para reverter o quadro da visão, mas ela [visão] permanece comprometida. Estamos na expectativa de que algo mude."
Show de pagode
Jovem de São Bernardo é internada após consumir vodca
Reprodução; e Adobe Stock
No domingo (28), Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, saiu para assistir a um show de pagode com amigos em um bar de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Durante a tarde e a noite, ela consumiu algumas doses de bebida, incluindo um “combo” de vodca com suco de pêssego.
Na manhã seguinte, Bruna começou a sentir sintomas como dor intensa no corpo, falta de ar e visão embaçada. Foi levada a uma UPA da cidade, mas seu quadro se agravou rapidamente e ela precisou ser transferida entubada para o Hospital de Clínicas de São Bernardo, onde permanece em estado grave.
Familiares relatam que o namorado dela também apresentou sintomas e foi internado em outra unidade de saúde. “Ela estava feliz, se divertindo, e agora a gente não sabe como vai ser daqui para frente”, contou um parente.
Whisky em festa
Wesley Pereira, de 31 anos, passou mal após consumir whisky em uma festa.
Reprodução
O caso de Wesley Pereira, de 31 anos, começou em agosto, quando ele participou de uma festa na Zona Sul da capital paulista. Em determinado momento da comemoração, Wesley consumiu whisky que havia sido levado ao local. Poucas horas depois, passou mal e entrou em coma.
Desde então, ele permanece internado no Hospital do Campo Limpo. Segundo a família, Wesley sofreu uma série de complicações: teve pneumonia por broncoaspiração, um dos rins parou de funcionar e, quando os médicos reduziram a sedação para tentar acordá-lo, ele sofreu um AVC.
“Ele perdeu a visão e a vida dele nunca mais vai ser a mesma”, contou a irmã, Sheilene Pereira Neves. Wesley continua em tratamento intensivo e luta para se recuperar.
Vodca adulterada
Marcelo Lombardi tinha 45 anos e morava na região do Sacomã, na Zona Sul de SP, divisa com o ABC Paulista.
Reprodução/TV Globo
O advogado e empresário Marcelo Lombardi, de 45 anos, dono de uma imobiliária familiar na região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo, morreu após consumir uma garrafa de vodca adulterada. Segundo a família, ele comprou a bebida em uma adega para beber em casa, sem suspeitar de irregularidades.
Na manhã seguinte, Marcelo acordou desorientado, já sem visão, e foi levado ao hospital. O quadro evoluiu para uma parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos. No atestado de óbito, os médicos apontaram o metanol como causa da intoxicação.
Marcelo era casado e morava com a esposa e uma cachorrinha. A irmã relatou ao g1 que ele era o pilar da família. “Perdemos a nossa base”, desabafou.
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Infográfico: o impacto do metanol no corpo humano.
Arte/g1