Com trajes de religião de matriz africana, influenciador grava vídeo 'benzendo' câmara no AC após briga; federação repudia ato
16/10/2025
(Foto: Reprodução) Com trajes de matriz africana, influenciador grava vídeo 'benzendo' Câmara no AC
Um vídeo publicado nas redes sociais pelo influenciador Raynery Cunha causou polêmica na última quarta-feira (15) em Sena Madureira, no interior do Acre. É que dias após dois vereadores se agredirem dentro da Câmara Municipal da cidade, ele foi até o local gravar um vídeo 'benzendo' o espaço, vestindo trajes de religião de matriz africana.
Após a repercussão do vídeo, a Federação das Religiões de Matriz Africana (Feremaac) divulgou uma nota de repúdio onde pede uma retratação pública do influenciador que acumula quase 30 mil seguidores. Já Raynery disse que o ' Pai Raynery do Yaco' foi um personagem que ele criou. (Confira mais detalhes abaixo)
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O vídeo inicia com o influenciador em frente à Câmara de vereadores de Sena Madureira. No conteúdo das imagens, há escrito: 'Pai Raynery do Yaco'. Ele está vestido com roupas brancas e uma touca na cabeça com faixas na cintura. "Pai Raynery decidiu vir aqui na Câmara para benzer essa casa, que é pra paz reinar nesse lugar", disse ele.
Durante o vídeo, toca uma música com o som de tambores que se assemelham às canções tocadas em reuniões das religiões de matriz africana. Ele então entra dentro da Câmara carregando galhos com folhas e, aparentemente, benze o local. "Não vai ter mais briga aqui na Câmara. Acabou", assegurou.
Influenciador "benze" Câmara de vereadores enquanto parlamentares trabalham no AC
Reprodução
Federação repudia conteúdo
Em nota, a Federação das Religiões de Matriz Africana (Feremaac) manifestou repúdio ao ato praticado pelo humorista que, segundo eles, usou a religião de forma desrespeitosa e caricata, utilizando símbolos e a figura do Pai de Santo para realizar um suposto 'benzimento'. (Veja nota completa no final da reportagem)
Ao g1, o Pai Célio de logum, presidente da Feremaac, afirmou que mesmo que Raynery não tendo citado o nome de nenhuma religião, as roupas e características representadas no vídeo demonstram que ele quis representar alguma religião de matriz africana.
Célio ainda salientou que todo o vídeo foi feito em tom de deboche e de forma pejorativa com as religiões.
"Quando ele se intitula pai, é complicado ele dizer que não cita o nome de religião. Ele citou símbolos da religião que são sagrados pra gente e foram usados de uma forma de deboche, comédia. Até que ponto vai o limite?", disse.
O babalorixá não acredita que o vídeo tenha sido feito por brincadeira e questiona até que ponto as coisas podem ser levadas com essa afirmativa.
"Nós vamos fazer um boletim de ocorrência por intolerância e preconceito religioso. Amanhã vai dar a liberdade dele fazer piada com evangélicos, católicos, budistas, e a gente precisa ter respeito um pelo outro. Cada um tem a fé que quiser", frisou ele.
Pronunciamento
Nesta quinta (16), Raynery postou um vídeo de pronunciamento nas redes sociais onde diz que esse foi um personagem que criou para ser 'um conselheiro, um pai espiritual', mas que seria apenas um personagem.
"Eu faço humor, quem me acompanha sabe e eu tenho um personagem que é o pai Raynery do Iaco, que eu já faço há uns quatro anos. Eu solto caixinha de perguntas, o pai Raynery responde, na brincadeira mesmo, sem levar para maldade, sem denegrir ou fazer chacota com religião qualquer. Até mesmo porque o personagem pai Rayneri nem tem uma religião específica", afirmou ele.
Ele também assegura que não citou ou debochou da religião de ninguém.
"Eu tenho total respeito e admiração. Tenho amigos pais santos, médiuns, já frequentei templos, terreiros e simplesmente gostei. Gosto da forma, da animação, de como levam as reuniões. Como ser humano, eu sou cristão, mas não tenho nada contra religião de matriz africana qualquer", assegurou ele.
Nota de repúdio - Feremaac
"A Federação das Religiões de Matriz Africana vem a público manifestar seu mais veemente repúdio ao ato praticado por um humorista que, de forma desrespeitosa e caricata, utilizou símbolos e a figura do "Pai de Santo" para realizar um suposto "benzimento" na Câmara Municipal de Sena Madureira, conforme noticiado pela imprensa.
É inaceitável que elementos sagrados e a figura de lideranças de nossas religiões, como o Babalorixá (Pai de Santo) ou a Iyalorixá (Mãe de Santo), sejam transformados em piada ou ferramenta de escárnio público, especialmente em um ambiente de poder como uma Casa Legislativa. Ações como esta configuram:
Racismo Religioso e Intolerância: A apropriação e ridicularização de elementos de fé das religiões de matriz africana (Candomblé, Umbanda, Jurema, entre outras) reforçam estereótipos negativos e alimentam o preconceito e a intolerância religiosa, crimes previstos em lei.
Violência Simbólica: O uso do traje (roupa branca e o pano vermelho na cintura), bem como a simulação de um ritual de "benzeção" por alguém não pertencente à tradição e com finalidade humorística, desvaloriza e profana a seriedade e o profundo significado de nossos ritos.
Desrespeito ao Estado Laico: Uma instituição pública, como a Câmara Municipal, deve ser um ambiente de respeito a todas as crenças e não pode ser palco para a banalização ou vilipêndio de qualquer manifestação religiosa.
As religiões de Matriz Africana são patrimônio cultural e espiritual do Brasil, e seus líderes religiosos dedicam suas vidas ao acolhimento, à cura e à manutenção de uma rica tradição. Não somos "humor", "piada" ou "fantasia" para ser usados em esquetes ou manifestações de deboche.
Assim exigimos:
Retratação Pública por parte do humorista e, se houver, da Câmara Municipal de Sena Madureira, caso a Casa tenha permitido ou endossado tal ato.
Adoção de Medidas Educativas para conscientização sobre o respeito às religiões de matriz africana e o combate ao racismo religioso.
Conclamamos a sociedade, as autoridades e, em especial, os órgãos de defesa dos direitos humanos a se unirem a nós no repúdio a todo e qualquer ato que ridicularize, menospreze ou agrida a dignidade dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
Nossa fé é séria, nossa tradição é ancestral e exigimos respeito!
Axé!
Federação das Religiões de Matriz Africana do Estado do Acre (FEREMAAC)"
VÍDEOS: g1